Libório vende peixe no mercado da cidade. Mal termina a madrugada e lá está ele diante de jaraquis empilhados no balcão de venda, trazidos pelo atravessador. No mundo da concorrência é preciso tratar os peixes o mais rápido possível para vender ao preço pedido. A conversa fiada fica para depois. É hora de pegar facão e peixe, escamar, escamar bem o bicho, jogar água do balde que fica sob o balcão para lavar um pouco e ver o que está fazendo. È preciso tirar as guelras, buxos, cortar rabos, barbatanas e ticar bonito, e ainda deixar os olhos dos peixes brilhantes. Uma cicatriz na mão esquerda de Libório, causada por uma distração, marca o início de inexperiências quando o facão ainda não era bem manejado. Com o tempo suas mãos encontraram a posição perfeita para segurar o peixe e preservar sua aparência rígida. Hoje, tudo é feito com muita maestria, sempre aos gritos de oferta de peixe fresco.
No mercado, gente vai, gente vem em passos morosos, pergunta quanto custa a cambada de dez jaraquis e vai embora sem dizer nada, já de olho na próxima banca. Mas Libório está atento, grita, diz logo o preço, elogia os jaraquis que permanecem indiferentes, e vende uma, duas cambadas. Nesse momento, o dia é danado de bom. Sem perder o cliente de vista, ele conta uma piada para o colega ao lado que vende pacu e sardinha, diz coisas sem sentido e às vezes também canta. Canta a moça próspera que passa com os seios abundantes, metade à mostra, que olha para Libório e sorri.
Da convivência, Libório aprendeu tudo sobre jaraquis. O peixe magro, o gordo, o pequeno, o grande, o ovado, cada um tem sua época, inclusive época de escassez. Além disso, Libório se sente na obrigação de amenizar a fama de que jaraqui é comida de pobre e argumenta também como bom consumidor que quem prova desse peixe de carne tão saborosa vai querer prová-lo sempre. No fim da tarde, na hora de limpar tudo, Libório continua energético. Lava o chão, as caixas vazias, o balcão, deixando tudo asseado como requer a fiscalização. Logo ele está na parada de ônibus de volta para casa.
Tratar e vender jaraquis não é tudo. É preciso prová-lo fartamente e jaraqui frito na hora com baião de dois, farinha do Uarini e pimenta é mesmo saboroso. Mas essa tarefa fica para Francisca, esposa de Libório. Ninguém como ela para fritar um jaraqui tão bem. O peixe sai da frigideira no ponto perfeito, com uma crostinha entre macia e dura, que promete um sabor único. Libório sai do banho e enquanto passa uma colônia comprada no próprio mercado, para espantar o cheiro impregnado de trabalho, pergunta a Francisca o que tem para o jantar. Agora é sua vez de ouvir mais uma vez, em alto e bom tom, um nome que ele tão bem conhece: jaraqui.
Página integrante da seção de Crônicas
© 2006 Rosa Clement (07/09/06)
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